sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Estilos culturais

Cada wiki é diferente. São diferentes em suas regras, na forma de resolver problemas semelhantes, em suas comunidades. Ainda assim, parece que cada língua tem um estilo próprio de pensar, o que se reflete no conjunto das wikis delas.

Tempos atrás eu achava muito normal e até desejável copiar políticas da Wikipédia ou do Wikilivros anglófonos para os respectivos projetos lusófonos. Hoje, isso me parece um grande disparate absurdo.

Por exemplo: será que o consenso é realmente adequado a wikis lusófonas? Vejo que muitos se enganam sobre o que é o consenso, referem-se a ele como se fosse a opinião da maioria, uma unanimidade. Não é. Segundo um Aurélio velho que tenha aqui comigo, o consenso é "um acordo ou concordância de idéias, de opiniões [...]". Um a-cor-do! Para haver consenso, é preciso que as partes envolvidas em uma discussão cedam um pouco sempre a partir de suas opiniões originais para que se atinja um ponto neutro, um terreno neutro.

Mas muitos de nós chegam a discussões sempre com um ponto de vista determinado e nunca dispostos a mudá-lo. Eu sou eu, você é você. Eu sou o dono da razão, você está errado. Como ter consenso assim? Acho que isso tem muito a ver com um tal "orgulho ibérico" que Sérgio Buarque de Holanda, se não me engano, cita no Raízes do Brasil e que aqui no Brasil é responsável em grande parte pela nossa democracia incompleta, em que "todos são iguais perante a lei", mas uns são mais iguais que os outros.

E, minha nossa, como falamos, nós lusófonos! Sinceramente, não vejo isso em nenhuma outra wiki por onde passo; em especial, as anglófonas. Afinal, para que servem as wikis? Para discutir ou desenvolver conteúdo? Se a resposta for a segunda, verão que o trabalho a fazer por aí nem é muito... Apesar de saber que a dicotomia entre comunidade e conteúdo também é uma questão para os anglófonos, por exemplo, entre nós, ela se acentua. E quem disse que só há comunidade onde há discussão?

O que se quer é colocar e impor a própria opinião, não ouvir e entender a dos outros. São diálogos de surdos. Nas discussões também qualidade e tamanho são contrários. Li, por aí, que nós lusófonos temos o pensamento prolixo em comparação ao pensamento dos anglófonos - nosso pensamento não seria lógico por natureza - e que por isso, os métodos de ensino de leitura no Brasil dão errado (nem queiram saber a nota do Brasil em leitura no Programa Internacional para Avaliação de Alunos da OCDE...). Na hora, achei um absurdo, claro. "Lógico por natureza"?! Que diabos é isso? Mas os fatos teimam em negar a minha incredulidade... Parece que é bom ser prolixo no Brasil (e no resto do mundo lusófono também?)

Outra característica que me parece muito típica nossa é o nosso apego a leis, regras e interpretações. Tudo tem que estar no papel; nos mínimos detalhes; senão não vale, pode ser contestado e interpretado (sempre) longamente. É uma atitude muito contrária a dos anglófonos, de novo, com sua common law. E, por isso, como há os que entram em discussões apenas para discordar e para desfazer qualquer tentativa de consenso, talvez sempre haja alguém para perguntar "Onde está escrito que não pode?", mas nunca "Onde está escrito que pode?", e para contestar a validade de recomendações, por serem "apenas" recomendações, não regras, leis.

Dito tudo isso, talvez caiba agora uma última pergunta: será que wikis são adequadas aos lusófonos? Não digo que os projetos anglófonos, ou outros, sejam perfeitos, que o consenso nunca funcionará em português, que as votações fazem mais o nosso estilo ou que continuaremos discutindo tanto sobre o sexo dos anjos. Os outros projetos da Wikimedia em português ainda são muito pequenos para que se ponha isso a prova e agora nós podemos usar a Wikipédia como modelo para o que não se deve fazer. Pode ser que haja outras características nossas que me escapam e talvez nem todas elas sejam negativas. Seja como for, eu continuarei me negando a acreditar em "estilos culturais"...

5 comentários:

  1. "será que wikis são adequadas aos lusófonos?"

    como comentei num post do Rei-artur há uns dias atrás, cada vez mais me apercebo que provavelmente "não" é a resposta...

    Ainda há uns dias um colega meu, geek em todos os aspectos, linuxer e tudo, virou-se para mim e disse-me que não percebia a razão que leva algumas pessoas a trabalhar para os outros (ele disse "trabalhar para nós")... enfim, sem comentários.

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  2. (Por transcender a wiki, comento somente sobre brasileiros, pois é o que realmente conheço da lusofonia após desligar o computador.) Você chegou a citar o "orgulho ibérico", mas em se tratando de aspectos culturais, estava mesmo interessado em aprender o funcionamento da comunidade da it. Analisar a influência dessa característica mais passional e explosiva no andamento das discussões por lá. Porque tendo a explicar dessa forma a completa bagunça que a pt consegue se tornar de vez em quando (frequentemente nos finais de ano inclusive). Mas logo percebo que é uma resposta no mínimo incompleta, há muito mais na comunidade. E nesse ponto, também identifico essas características que você apontou.

    Ainda hoje tomei conhecimento dum texto do Feynman sobre suas experiências com a educação brasileira (http://www.feep.org/articles/feynman.html). Essa cultura que promove o mero acúmulo de informação em favor do processo de obtenção de conhecimento. Acaba se tornando um problema na medida que, por pura falta de prática, formam-se cidadãos sem capacidade de abstração, uma característica muito importante no processo de consenso.

    Respondendo a pergunta, também penso que não, mas que é uma falha educacional crônica e não uma característica da nação.

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  3. É, Leo, realmente, quando li a frase "os métodos de ensino de leitura no Brasil dão errado" foi mesmo esse episódio do Feynman que me veio à mente, pois tinha-o lido na autobiografia dele :) Já agora, fica a dica, é um óptimo livro, recomendo-o!

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  4. É verdade Leonardo. Eu não indiquei as causas desses problemas. Tinha listado elas, mas acabei esquecendo, mas também, olha o tamanho do texto =P. Nessa lista estava a educação.

    Realmente essa nossa educação que só ensina o decoreba e não a organizar o raciocínio é lamentável. Mas para mim ela tem dois efeitos contrários: um é esse de não sabermos abstrair no que se refere a ir além da teoria; o outro é fazer com que nós não saibamos nos ater a pontos importantes em discussões, por exemplo e fiquemos divagando. Nós deveríamos ser ensinados a pensar de maneira lógica. A lógica leva a praticidade, objetividade que os anglófonos e germanófonos têm.

    Ontem mesmo lembrei dessa característica também Waldir, a de achar que editar nas wikis sem receber dinheiro é coisa de "otário", perda de tempo, e até estava pensando em escrever um "Estilos culturais II". Mas pensei um pouco mais: será que essa é uma característica só nossa mesmo? Ao menos agora sei que não é só dos brasileiros...

    Uma outra que também acabo de lembrar é a da "lei do menor esforço" que leva tantos alunos (conheço até casos de alunos de universidade, pasmem) a copiarem a Wikipédia e a copiarem de páginas externas para os projetos, o que também está ligado ao que o Leonardo disse sobre a educação. Seria bom termos uma estatística acerca da quantidade de conteúdo eliminado por ser copiado nos projetos anglófonos, por serem os maiores, e nos nossos.

    Bom, ao contrário de vocês eu ainda não desacredito as wikis. Talvez por vocês editarem na Wikipédia achem isso... Será preciso muito trabalho para fazê-las funcionar, muita paciência, mas como disse, temos o exemplo da Wikipédia e do que não funciona. Podemos por exemplo, desestimular as discussões, estimular o consenso e criar políticas que nos sejam adequadas. Não deve ser preciso vir alguém que estudou na Alemanha para ser a exceção =). E aliás, acho que mesmo a Wikipédia tem jeito...

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  5. Aliás é engraçado como nem a Desciclopédia dá certo em português.

    Quem edita confunde humor com baderna, desorganização e vandalismo.

    Aliás, às vezes parece que pensamos em termos de "listas". Ao invés de se tentar estabelecer um ordenamento lógico entre as partes de uma coisa, só se enumeram os pontos. Deve ser por isso, que tantos "artigos" da Wikipédia são meras listas.

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